segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Apoio Judiciário

Foram profundas as reformas feitas nos últimos dois anos no sistema de acesso ao Direito (em Portugal).
Se dois cidadãos, um milionário e um pobre, forem atropelados ao mesmo tempo numa passadeira, serão ambos transportados na mesma ambulância, para o mesmo hospital, onde serão objecto dos mesmos cuidados pelos mesmos médicos e enfermeiros. Porém, quando mais tarde se puser a questão de serem indemnizados pelos danos morais e patrimoniais sofridos, um deles irá a tribunal com os seus advogados reclamar a sua indemnização e o outro terá de fazer contas à vida, pois, seguramente, não terá dinheiro para pagar as elevadas custas judiciais.
Para obviar a essas situações, ou seja, para permitir que os cidadãos sem recursos económicos possam defender em tribunal os seus direitos e interesses legítimos, os estados modernos criaram sistemas de acesso ao direito, mediante os quais as pessoas economicamente carenciadas são isentas do pagamento de custas judiciais. Em alguns casos, esse apoio inclui também a isenção do pagamento dos honorários dos advogados que as patrocinam. No nosso país o valor de tais honorários está fixado em tabelas criadas pelo Estado e as nomeações de advogados são, desde 2008, efectuadas pela Ordem dos Advogados.
Foram profundas as reformas feitas nos últimos dois anos no sistema de acesso ao Direito. Hoje, a defesa e o patrocínio oficiosos já não são feitos por advogados estagiários (nem por funcionários judiciais) como acontecia até 2008, mas só por advogados; as nomeações de patronos e defensores são feitas em respeito pela igualdade e não por favoritismos; essas nomeações deixaram de ser feitas por magistrados, funcionários e até por polícias e passaram a ser feitas exclusivamente pela Ordem dos Advogados; os atrasos nos pagamentos dos honorários aos advogados, apesar de subsistirem, são hoje consideravelmente mais pequenos do que eram antes de 2008.
Sucede, porém, que, apesar das reformas e dos progressos já conseguidos, ainda muito há a fazer em Portugal, para se cumprir o imperativo constitucional de garantia de acesso ao direito. Por um lado, é necessário alargar o sistema de apoio judiciário ao processo de execução de penas, pois os reclusos também têm direito à protecção jurídica durante o cumprimento das penas. As decisões sobre liberdade condicional, saídas precárias, sanções disciplinares, regimes abertos, têm de ser tomadas em audiência contraditória onde o recluso visado esteja representado por um advogado.
Por outro lado, é necessário que o Estado invista mais no sistema de apoio de apoio judiciário, pois as despesas com esse serviço representam apenas 5% do total das despesas do Ministério da Justiça. Se olharmos para o que se passa em outros países da Europa, Portugal fica num lugar humilhante, ou seja, numa posição que evidencia a pouca preocupação que lhe merecem os direitos das pessoas mais desfavorecidas.
Segundo um estado divulgado há cerca de cinco anos pelo Conselho da Europa sobre os sistemas judiciais dos vários países, verificava-se que cada cidadão Inglês (Inglaterra e País de Gales) pagava por ano para a justiça cerca de 55 euros. Em Portugal, cada cidadão pagava (e paga) cerca de 50 euros. No entanto, na Inglaterra esse montante era repartido da seguinte forma: 37 euros destinavam-se ao apoio judiciário e 18 ao funcionamento da máquina judicial; mas no nosso país, 47 euros destinavam-se à máquina judicial e os restantes 3 euros ao sistema de apoio judiciário.
Num outro estudo do mesmo Conselho da Europa divulgado há cerca de um mês, verificava-se que, em Portugal, o Estado gasta em apoio judiciário uma média de 331 euros por processo, o que constitui o montante mais baixo de todos os países da antiga Europa Ocidental. Abaixo do nosso país só estão a Arménia, a Bulgária, a Estónia, a Geórgia, a Hungria, a Lituânia, a Moldávia, o Montenegro, a Rússia, a Turquia e São Marino. Acima de Portugal estão, a Suiça (que gasta 1.911 euros por processo), a Irlanda (1.423 euro), Inglaterra e País de Gales (1.131 euro), a Holanda (1.029 euro), a Itália (737 euro), o Luxemburgo (714 euro), a Finlândia (663 euro) e a Escócia (537 euro), entre outros.
E estes dados são tanto mais relevantes quanto é certo que o estado português gastará em 2010 mais de 220 milhões de euros só com as remunerações dos magistrados portugueses.
A justiça é um valor superior que todos os estados modernos colocam nos frontispícios das respectivas ordens jurídicas, mas é também um serviço público que cada estado garante em regime de exclusividade a todos os cidadãos. É, pois, necessário que, na realidade, todos os portugueses possam aceder a ela sem discriminações.